Conto - Entre dois mundos
Entre dois mundos
O primeiro dia na minha nova casa, talvez, só talvez não fosse tão ruim. Sem amigos, em uma cidade nova e no meio do nada, o que poderia tornar tudo ruim se não fosse tudo? Eu estou pensando em coisas tão ridiculamente banais, chega a ser entediante. Sentada em uma cadeira em meu quarto, sozinha e em completo silêncio, olhando pela janela, o dia nublado, a chuva forte, as plantas encharcadas…tudo trazia um sentimento tão estranho, não sabia o que sentir ou fazer. Me levanto e caminho pela casa vazia, exceto pela bagunça de caixas com minhas coisas. Morpheus, meu gato dormia, algo básico para sua simples existência. Ele é muito rabugento, e por mais que eu cuide dele, ele parece me odiar, mas talvez seja apenas exagero de minha parte.
Pego minha capa de chuva e calço minhas botas, destranco a porta dos fundos. Eu podia ver uma imensa floresta, as árvores eram altas, eu poderia facilmente me perder nela, mas talvez fosse divertido. Adentro ao meio das plantas, e caminho para o desconhecido em busca de algo para fazer, talvez fosse absurdo o que eu estava fazendo, mas dessa vez, só dessa vez, pela primeira vez na minha vida, vou apenas fazer, sem pensar em consequências.
Eu não sei a quanto tempo estou andando, a chuva parou, a floresta ficou mais densa e escura, e perdi minha casa de vista. Eu não sei como voltar, e nem um mísero destino eu tenho. Estou perdida, e sozinha, novamente. Continuo andando em frente, o silêncio estava por toda parte, eu mal podia ouvir meus passos.
É incrível como as pessoas fazem tudo errado e saem por cima, enquanto eu consigo fazer a maior desordem com apenas uma palavra e ser condenada por mais um milhar de coisas, que nem sequer fiz.
Olho para o lado ainda pensando e vejo uma luz, estreito um pouco meus olhos na intenção de enxergar melhor. Arregalo meus olhos e meu corpo se enrijece, aposto que até pálida fiquei. Não era uma luz qualquer, eram olhos, olhos com uma tonalidade como de uma safira verde. Eu estava com medo, mas algo naqueles olhos me prendem, como se eu estivesse em algum tipo de transe. Antes que algo pudesse ser feito, aquele indivíduo desapareceu sem eu me dar conta, ele simplesmente sumiu. Eu tentei ir onde ele estava há alguns segundos atrás, e até além, mas não havia nada, nenhuma marca, era como se ele nunca estivesse aqui.
Continuo seguindo em frente e me deparo com uma árvore morta, seu tamanho era descomunal, bom, pra mim era incomum uma árvore deste tamanho, mas sou leiga nesses assuntos, até umas horas atrás eu morava em uma cidade, e por lá, não era comum árvores, ainda mais deste porte.
Me aproximo de seu tronco sem vida, caminhando em seu redor, um passo em falso, começo a cair, uma sensação de queda livre, talvez esse fosse o meu fim. Olho tudo em torno de mim, tudo visível eram…casinhas? Em breves instantes sinto meu corpo se chocar com algo sólido, terra firme. Não me levanto. Continuo a olhar para cima, eram realmente casinhas, mas eu não podia as alcançar. Com o tempo minha visão começou a apagar até eu não ver mais nada.
Acordo ao ouvir pequenos cochichos, aos poucos abro os olhos e me sento, me deparo com camundongos, eu realmente não sabia o que fazer, estava pasma, eu queria gritar, mas achava que era um sonho. Quando eles finalmente perceberam que eu os encarava todos se esconderam. Ficamos assim por um tempo, até que de um outro túnel vejo aqueles olhos de novo, era um garoto, diria que ele tem a minha idade, 17 anos.
Ele tinha um cabelo desarrumado, ele parecia ser meio largado, aquele tipo de pessoa que não se importa com nada. Sem eu me der conta eu já estava o olhando com uma cara feia, como se julgasse todo o seu ser e então ele continua com seu olhar sério
- Não me olhe assim - Ele falou de forma firme e eu somente olhei para o lado.
- Estou me perguntando como veio parar aqui, você me seguiu não foi? Eu sei que sim - Zombou - Agora que já viu o que queria, saia daqui esse lugar não é pra gente como você. - Falou em um tom rude.
- Eu não sei como voltar - Respondi.
Ele apenas me olhou com desdém e saiu dali. Eu o segui e depois de um tempo andando voltei para a floresta. Aqui os pássaros cantavam, tinha muitas flores, o dia ensolarado, era o mesmo lugar para onde eu havia acabado de me mudar, só com uma diferença, aqui tinha vida.
Por algum motivo senti vontade de correr no meio daquelas flores, e foi o que eu fiz, corri até me cansar e então me joguei no chão, fecho minhas vistas, começo a desfrutar da brisa que batia em meu rosto e do sol que batia em minha pele, mas em um momento sinto uma sombra sobre meu rosto. Era aquele garoto de novo.
- Ainda aqui? Este lugar é muito perigoso durante a noite, aproveite enquanto pode - Afirmou ele se sentando ao meu lado
- Sou Luke - Se apresentou sem me olhar
- Sou Celine - Respondo de volta. Ficamos assim um tempo, em silêncio, mas aquilo não me incomodava, na verdade era confortável. Ele saiu e eu continuei lá, até escurecer. A floresta não parecia perigosa como ele disse ser durante a noite.
Observo os vaga-lumes, eram tão pequenos, mas tão brilhantes, eu sei que é errado, mas mesmo assim me levantei e comecei a tentar pegar um para mim, eles foram fugindo pra longe, e eu estupidamente fui atrás. Quando me dei conta não sabia mais onde estava, mais uma vez. Mas quem liga? Não faria mal eu me perder novamente. Errada, como sempre. Entrei ainda mais fundo na floresta, em busca daquele bendito vaga-lume.
Como o bom desastre que sou eu tropeço e uma raiz de árvore, me levanto, minha roupa estava suja de terra, mas sigo em frente. Eu nem sabia que um simples vaga-lume traria tanto da minha determinação só pra pegá-lo.
Uma brisa gelada bateu me fazendo estremecer, e então voltei pra realidade, olhei ao redor e vi que não era a floresta bonita que vi mais cedo, era totalmente sem vida e assustadora, o único som que podia se ouvir era o canto parecido ao de uma rasga-mortalha, dizem que o canto delas anuncia a morte de alguém, eu acredito que seja mentira, mas neste momento eu estou com medo. Medo desse som, medo de não estar sozinha, medo do que vai acontecer. Eu só quero sair correndo, voltar pra minha casa, pro meu quarto, e me esconder aos prantos sob as cobertas de minha cama, é tudo que eu mais quero, mas parece impossível, eu estou em outra realidade, uma que eu não sei nada, uma em que eu sobreviver uma noite parece ser lucro.
Neste momento encontro-me paralisada em total desespero, posso sentir minhas lágrimas começando a molhar o meu rosto. Estou com aquela sensação de ser observada, aquela maldita sensação que te faz querer sair correndo para longe e se trancar em algum lugar qualquer onde você imagina que vai estar seguro. Em meio aos meus pensamentos conturbados um parece certo, “saia correndo”, e esse é o pensamento predominante. Comecei a correr para o lado do qual vim, eu não queria ficar dentro da floresta. Impossível, eu corria sem parar, dando alguns tropeços mas nunca caindo, mas eu nunca conseguia sair, era como se estivesse correndo em círculos, como se a floresta não tivesse fim.
Em determinado momento caio, minha respiração não funcionava como antes de tanto que corri, eu estava ofegante, cansada demais pra voltar a correr. Fico ainda mais nervosa, passos rápidos se aproximavam rapidamente, era inexplicável o que eu estava sentindo naquele momento, tudo que eu ainda conseguia pensar era “eu não quero morrer assim”. Começo a ouvir sons ainda mais estranhos, ruídos horripilantes vindos de um lado, e de outro passos apressados, eu não me atrevia a olhar para trás, eu já estava começando a me render e a aceitar que meu fim seria morrer em um lugar totalmente desconhecido por mim. Mas por ironia do destino, ou não, sinto que as mãos de alguém me agarraram e começaram a me puxar para longe do que quer que seja aquilo que ia me pegar. Olho para o lado, era o Luke. Quem diria que um garoto que parece ser tão descuidado e arrogante salvaria alguém como eu? Mas parando para analisar a descuidada sou eu, quem caiu no buraco fui eu, quem caiu na armadilha dos vaga-lumes fui eu, quem caiu e quase morreu por isso fui eu, no final, talvez eu sou tudo aquilo que eu julguei que ele fosse. E por mais incrível que possa parecer esse garoto corre rápido, estava difícil acompanhar.
Quando nos afastamos o suficiente ele me olha com um semblante sério como se quisesse arrancar meus cabelos.
- Você é mais burra do que eu pensei. - Ele fala um pouco irritado mas logo se acalmando
- Eu deveria te deixar morrer como fiz com os outros, o problema é que mesmo não gostando de você eu não consigo. Você é um problema garota, o meu problema - Ele fala com sinceridade e deixa um sorriso fraco presente em seu rosto.
Olhamos nos olhos um do outro, eu era incapaz de respondê-lo, eu sentia algo estranho, algo que nunca tinha sentido antes, era como borboletas no estômago talvez? Eu não sei, seja o que for, pra mim é novo.
- Quem são os outros que você deixou - Engulo em seco - morrer? - Ele desvia o olhar
- Antigos moradores daquela casa…aquela que você mora agora. - Franzo o cenho
- Vocês não são normais, o que vocês são exatamente? - Ele suspira e me encara com aqueles olhos. Eu não podia evitar sentir um frio na barriga
- Ele é o espírito da floresta, e eu…o guardião. Mas acredite ele não é um espírito bom. - Penso um pouco e quando abro a boca para falar ele me corta
- Nem tente perguntar algo mais, eu já falei demais - Suspiro e concordo com a cabeça, mesmo estando em relutância, eu tinha muitas perguntas, como, quantas pessoas ele deixou morrer? Ele faz isso por obrigação ou ele gosta? Quem exatamente é esse espírito? Por que de tudo isso? E mais inúmeras perguntas, todas sem resposta.
Voltamos a ouvir barulhos, agora era galhos quebrando de forma bruta, começamos a correr de novo, mas paramos de forma abrupta quando um ser caiu do topo das árvores e parou em nossa frente. Era um bicho medonho, aproximadamente 3 metros de altura, sua pele era toda escamosa, tinha garras enormes e afiadas que contariam as maiores árvores com facilidade, sem contar aquele sorriso perverso que mostravam seus dentes afiados, a língua como de uma cobra, e os olhos? Um verde espectral, como se fosse de um submundo. Sua presença sugava toda a luz e vida ao redor de si, era bizarro. Mas pior que isso só quando ele começou a falar, era uma voz tão demoníaca e odiosa, sem contar com aquele hálito podre, que lembrava a carne e sangue, era terrível.
- Luke, meu querido, vai me apunhalar pelas costas agora? Você sabe que é seu dever, então entregue-me a garota, agora! - Olho para Luke amedrontada, eu não quero morrer, e ele sabe disso. Ele toma coragem
- Não! Celine corra em frente, sempre! - Começo a chorar temendo por ele enquanto aquele ser, ou melhor espírito ruim da floresta avançava para cima dele
- Mas e vo- Vai! - Ele me corta e eu saio correndo mesmo querendo ficar.
Eu corri tanto até o ponto em que não podia ouvir mais nada. Eu estava novamente na frente daquela árvore, aquela árvore gigante e morta. Fico muitos minutos em silêncio encarando aquela árvore, quando ouço passos. Eu não me viro, se fosse Luke eu ficaria feliz, eu acho, mas se fosse aquele ser abominável, eu infelizmente morreria. Uma mão toca meu ombro e então finalmente olho. Luke. Estava machucado, certamente era seu fim. Ele sorriu, aquilo me destruiu. Ele não tinha esse direito.
- Luke… - Murmurei prestes a chorar
- Celine, siga sua vida, continue como se nunca tivesse me conhecido - Ele fala, agora seu sorriso era mais triste que antes
- Eu não posso, você me salvou! E talvez algo mais… - Começo a chorar
- Querida, faça isso por mim, saia daqui antes que tudo suma, o espírito da floresta morreu e eu vou morrer também, não quero que seu fim seja tão cruel como o meu vai ser - Diz ele enquanto se deitava ao chão, a respiração falhando
- Você sabe o que fazer, não sabe? - Assinto e ele coloca a mão em um de seus bolsos e de lá tira um objeto brilhante, uma pulseira dourada
- Leve, se não vai me esquecer, tenha ao menos algo pra sentir que está comigo - Pego a pulseira e me ajoelho ao seu lado, sua voz estava tão fraca, aquelas certamente foram suas últimas palavras, ele solta um suspiro e sorri para mim, logo sua respiração não pode mais ser sentida por mim, eu comecei a chorar mais, e tentar fazer ele voltar. mas era tarde pra ele. Olho ao meu redor, a floresta estava sumindo, tomada pela relutância tive de abandonar seu corpo já sem vida, corro até a árvore morta e pulo no buraco que tinha em meio às suas raízes, em queda livre novamente tudo apaga.
De repente eu estava em minha cama, aquilo tinha sido um sonho? Não, isso não era possível, foi tudo muito vivido. Olho para meu pulso, e lá estava ela, a pulseira dourada que ele me deu. E por mais triste que seja esse “ponto final” para mim, eu sinto como se devesse deixar você ir pra longe de mim e descansar eternamente.
Você matou ele? Tadinho
ResponderExcluirFoi um sonho ou não?
ResponderExcluirNo que quer acreditar? Fica ao seu critério
ExcluirBuguei
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